04 fevereiro 2011

Génese da industrialização Portuguesa, do pós guerra aos anos 70!

Para além de alguns casos pontuais de dinamização industrial, sobretudo no começo do século XX, pode-se hoje apontar a década de 50, com o rescaldo da Segunda Guerra Mundial e a vitória das teses industrialistas, como o início, de facto, se bem que ainda incipiente, de um processo minimamente estruturado da industrialização da economia portuguesa.

No entanto, se bem que irreversível, todo esse percurso de pré industrialização não correu sempre de forma linear. Toda a previsível mudança na habitual estrutura conservadora da política de então, não era bem vista pelo chamado “Estado Novo”, que encarou sempre com muita cautela e desconfiança qualquer laivo de progresso económico que pudesse vir a romper com as estruturas tradicionais.

Para ilustrar, a tremenda crise de indecisão perante o dualismo agricultura / indústria e o receio que causava na altura esse ainda nóvel processo de industrialização, não resistimos a transcrever um pequeno enxerto de um discurso de Salazar, datado de meados de 50, quando da apresentação de um plano de fomento : “Sabe-se que a indústria tem rentabilidade superior à agricultura e que só pela industrialização se pode decisivamente elevar o nível de vida. Temos , por outro lado que a agricultura, pela sua maior estabilidade, pelo seu enraizamento natural no solo e mais estreitas ligações com a produção de alimentos, constitui a garantia, por excelência, da própria vida e, devido à formação que imprime nas almas, manancial inesgotável de forças de resistência social...()....nós entendemos que a industrialização maciça do país, não deverá ser prosseguida, sem que se vá pondo a agricultura em condições de nos dar o máximo das suas possibilidades...”.

Esta visão de uma economia basicamente enraizada no mundo rural, além de estruturalmente obsoleta, era acima de tudo irrealista, já que a população dos campos procurava, naturalmente escapar ás condições de atraso e de miséria em que vivia, emigrando para o estrangeiro ou buscando emprego na indústria, criando, com isto, a desertificação do território ou fortes assimetrias regionais. Por sua vez, o país também não se podia fechar ás ideias que vinham de fora, ás comparações com o exterior e à influência das análises da OCDE. No começo da década de 60 eram numerosos os empresários, os governantes da área económica e os tecnocratas que proclamavam a necessidade de promover a transformação estrutural da economia, de intensificar as relações económicas com outros países europeus e de fomentar o desenvolvimento através de incentivos e do planeamento.

Por todos estes motivos, a década de 60 constitui o marco da mudança progressiva de uma estratégia económica, que acelerou consideravelmente o crescimento da economia portuguesa. É a partir desta altura que se desenham, de modo convergente e rápido, algumas transformações sociais e económicas que, outros países europeus já tinham experimentado no após guerra. Tal como nesses países, a industrialização e a terciarização da economia nacional, conheceram fortes impulsos, em contrapartida com a diminuição significativa da população agrícola e do êxodo do rural para o urbano ou do arranque incontrolável da forte emigração para os países europeus.

Poder-se-á concluir, que começaram a partir de aqui a serem concebidas de uma forma concertada e muitas delas consubstanciadas nos chamados Planos de Fomento, múltiplas acções de promoção de uma política de desenvolvimento industrial, como sejam: financiamento de novos projectos nas áreas da electricidade, das celuloses e dos adubos e da indústria siderúrgica; a concessão de créditos com taxas de juro baixas para novos projectos industriais; benefícios fiscais e isenções aduaneiras sobre equipamentos, maquinarias e produtos intermédios; protecção aduaneira contra a concorrência externa etc, etc..

Todo este modelo de desenvolvimento de apoio à incipiente indústria portuguesa assentava, fundamentalmente, em duas premissas: um agressivo proteccionismo aduaneiro contra a concorrência externa, dificultando a entrada de produtos e incentivando no plano interno uma política industrial de substituição de importações; contra a concorrência interna, um exigente regime de condicionamento industrial, fazendo depender de um rigoroso e difícil licenciamento o aparecimento de novas unidades fabris.

Aliás, é praticamente durante os anos 60, que beneficiando da cláusula protectora das “indústrias novas” do Tratado com a EFTA, a que tínhamos aderido recentemente, que arranca no Seixal a indústria siderúrgica e na zona da Azambuja as primeiras unidades de montagem de veículos automóveis.

Podemos hoje concluir que, de um modo geral, a indústria automóvel entrou em Portugal na segunda metade da década de 60, pela mão da EFTA. O investimento no sector foi feito, então, em unidades de mera “assemblage”, numa lógica de exploração do mercado local, tirando partido da zona de trocas livres criada por aquela Associação de Comércio Livre. Para a altura, foi, inegavelmente, um passo muito positivo para o contexto industrial português, mas de alcance ainda muito limitado. Positivo, porque criou empregos, gerou alguns inputs provenientes do tecido produtivo nacional e teve algum efeito na Balança Comercial. Limitado, porém, pois não induziu verdadeiras transferências de tecnologia provenientes do Know how interno, nem se ancorou, tampouco, no tecido industrial português.

Com o Acordo comercial Portugal - CEE de 1972 e, sobretudo mais tarde com o pedido de adesão à CEE em 1977, as unidades de montagem entraram praticamente em declínio, se bem que algumas ainda durem, embora reconvertidas, até aos dias de hoje. Foi então que surgiu, o primeiro e, na altura emblemático, grande investimento do sector automóvel em Portugal pela mão da Renault. Este projecto pelo sua relativa grandiosidade e ineditismo representou, fundamentalmente, um marco importante, não só para a diversificação da conjuntura económica de então, mas também para a continuidade do desenvolvimento do sector automóvel, agora mais inserido, no contexto do processo industrial português.


Renato J. Campos

Sem comentários:

Enviar um comentário

AUSTERIDADE, SOLUÇÃO OU PROBLEMA?

AUSTERIDADE, SOLUÇÃO OU PROBLEMA? Terça, 05 Fevereiro 2013 17:01 É inequívoco que Portugal vive uma grave crise. Possui uma dívida soberana...