03 março 2013

AUSTERIDADE, SOLUÇÃO OU PROBLEMA?


AUSTERIDADE, SOLUÇÃO OU PROBLEMA?

É inequívoco que Portugal vive uma grave crise. Possui uma dívida soberana muito superior ao seu PIB e tem vindo a acumular excessivos défices. Em função disso, é imperativo encontrar soluções para estes desequilíbrios que condicionam negativamente a vida de todos. 

Porém, se os problemas são inquestionáveis, as soluções não podem deixar também de ser questionáveis. O país vive, atualmente, subordinado ao predomínio das finanças públicas em detrimento do primado da economia, em particular, das estratégias de desenvolvimento. Na prática, tem existido uma preocupação quase exclusiva com o défice orçamental e com a dívida soberana. Mas o défice e a dívida são vetores de finanças públicas que devem estar ao serviço da economia e só com o dinamismo desta, se poderá gerar a riqueza produtiva necessária para que seja possível o equilíbrio estrutural das nossas contas.


Com efeito, na essência deste processo, tem-se optado por uma política de austeridade baseada no assumido aumento da receita fiscal e no corte da despesa pública (em especial, corte de salários, pensões e prestações sociais). Ou seja, no seu conjunto, uma opção pela compressão do rendimento disponível das famílias.

Obviamente, não deixa de ser claro que, para fazer face a problemas de endividamento, somos obrigados pelos nossos credores a implementar medidas de contenção, reduzindo o nível de despesa e como tal, o nível de vida. E atuar só do lado da despesa não basta, também é indispensável não baixar o nível de rendimentos (riqueza) auferido. 

Decrescendo as duas variáveis (despesa e rendimento), ficando mais pobres, torna inviável pagar uma dívida que, todos os dias, vai crescer com os juros. Daí que, se por um lado, o país não pode dispensar uma determinada política de contenção racional de gastos, por outro lado, não pode também deixar de procurar uma estratégia de crescimento económico que permita, o acréscimo de riqueza necessária para poder amortizar, progressivamente, o seu endividamento. Se o nosso limite de divida é uma relação percentual do produto (por ex. o teto da divida é 60 por cento do PIB), temos que aumentar o denominador (PIB).

É nesta dualidade, da intensidade do equilíbrio entre austeridade e crescimento, que se tem gerado uma grande controvérsia política. Contudo, convém não esquecer que nem sempre tudo na vida é preto ou branco, na maioria dos casos pode ser cinzento e também na ciência económica tal acontece. É necessário, urgentemente, ajustar o “mix” de “calibração” entre austeridade e crescimento que consiga responder de forma mais eficiente aos problemas que temos. Uma atenção obsessiva ao défice orçamental, baseada quase exclusivamente em medidas de austeridade, sem se atender, em simultâneo, à dinamização da economia é prolongar ‘sine die’ o ciclo recessivo produtivo do país e regredir nos aspetos sociais do desenvolvimento. Gastos desmedidos em investimento não reprodutivo também, da mesma forma, é proibitivo.

Deste modo, é preciso mudarmos o nosso paradigma face à atual situação de desequilíbrio, pois o grande problema estrutural da economia portuguesa é, sem dúvida, o fraco crescimento económico na fase pós adesão ao euro. Hoje, já poucas dúvidas subsistem a este respeito e os números falam por si; de 2000 a 2007 conseguimos apenas um crescimento médio de 1,5 por cento ao ano e uma contração acumulada do PIB de 2008 a 2012 de mais de 5,5 por cento. 

O nosso problema “pós euro”, deriva de graves desequilíbrios da nossa matriz produtiva face a novas realidades e mercados, ao mesmo tempo que perdemos uma importante “arma” de equilíbrio macroeconómico, a política cambial e monetária. Foi, aliás, essencialmente, por via de políticas cambiais de desvalorização competitiva, que conseguimos reequilibrar as nossas contas na crise dos anos 80. 

Por fim, outra das causas que poderão justificar a nossa “década perdida” poderá estar, também, na própria arquitetura da zona euro, que não é mais do que “um fato feito à medida” para a Alemanha e para a sua economia, baseada em bens de alta intensidade tecnológica (onde o fator preço não é determinante na mesma medida), tendo o Euro um valor cambial proibitivo para a competitividade de grande parte dos outros parceiros europeus da zona euro, em especial, a europa do sul.

Ora, perante tais problemas, estruturais, surge agora outro grande problema: o ciclo depressivo que a própria austeridade despoleta. Como tal, surge naturalmente uma pergunta; como sair desta espiral recessiva?  A resposta são medidas contra cíclicas, fazendo o oposto do que temos feito na última década; menos austeridade, “turbinando” os gastos públicos em investimento reprodutivo e políticas fiscais agressivas, elevando a procura agregada (interna e externa). Esta variável “ativaria” os restantes estabilizadores automáticos. Os economistas keynesianos chamam a isto “ligar o motor” da economia e é baseado no “famoso” efeito multiplicador. 

Em suma, ao invés de tentarmos perceber como poderemos cortar quatro mil milhões de Euros de despesa, deveríamos questionarmo-nos com sublinhada acuidade, como conseguiremos também crescer acima de quatro mil milhões de Euros! 



Renato J. Campos
Economista
Publicado na Edição de Fevereiro da Revista DADA

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