19 janeiro 2009

A INDÚSTRIA AUTOMÓVEL EM PORTUGAL

Por achar curioso e, sobretudo, emblemático, começo por referir um pequeno texto da ACAP - Associação Empresarial do Sector- o qual, com oportunidade, traduz, em poucas linhas, os factores determinantes da evolução do sector automóvel em Portugal.

“A história do sector automóvel em Portugal é paradigmática, a vários títulos. Em primeiro lugar porque reflecte directamente o percurso de integração europeia realizado por Portugal nas últimas quatro décadas. Em segundo lugar, porque ilustra o papel do IDE na promoção da inovação. Em terceiro lugar, porque demonstra as sinergias entre o IDE e a iniciativa local.”

Como decorre na parte final da introdução deste trabalho, foi praticamente, a perspectiva da concretização da adesão plena de Portugal à CEE, que marca o grande salto da integração do sector automóvel, com maior valor acrescentado, na produção industrial portuguesa.

De facto, se as primeiras unidades de montagem constituíram a evolução lógica de um sector que, principalmente a partir de 1986 – Adesão plena à CE- dá um salto quantitativo e qualitativo exemplar, o certo é que a política industrial que estava subjacente às anteriores unidades de montagem, não permitiu, na altura, uma maior preponderância do sector automóvel no valor acrescentado da economia, nem estimulou a inovação tecnológica das empresas nacionais. Por parte das políticas públicas de então, como referimos na introdução, a estratégia industrial assentava na substituição de importações, mesmo que isso encarecesse internamente o produto. Daí, que os construtores não optimizassem o factor eficiência nas suas unidades de montagem e começassem a aparecer unidades com discutíveis viabilidades, na medida em que o mercado se ia lenta mas progressivamente abrindo ao exterior mais competitivo. Também, devido a constituir naquela altura um simples processo de mera “assemblage” ou junção de peças, não originou, como seria desejável, o aparecimento de uma rede de fornecedores de componentes para a indústria automóvel. Quanto muito, podem ter surgido, pequenas unidades para o fornecimento de alguns componentes secundários, de reduzido valor acrescentado para o mercado interno e sem importância preponderante na dinamização do sector.

Com a perspectiva da integração plena de Portugal na Europa Comunitária, surge nos princípios de 1980, liderado pela Renault, o primeiro grande e estruturado investimento do sector automóvel em Portugal. O contexto económico e político tinha-se alterado e os franceses passaram, então, do mero processo de “assemblage”, que tinha caracterizado até aí as linhas de montagem de autos, para a produção efectiva de automóveis, incorporando já inputs produzidos em Portugal com significativo valor acrescentado. Emerge então, à volta desta iniciativa, e pela primeira vez no tecido produtivo nacional, um sector de componentes de automóvel. Com isso, inicia-se a transferência de tecnologia para a indústria nacional e as multinacionais do sector começam a mostrar interesse por Portugal.

Mas é, efectivamente, com a adesão formal à Comunidade em 1986 que o sector automóvel português dá um considerável salto qualitativo e quantitativo. Tirando partido não só do mercado interno europeu, mas também dos fundos estruturais e de coesão (FEDER, FSE, etc.). Rapidamente o sector de componentes para automóvel torna-se o principal exportador, suplantando mesmo, curiosamente, o tradicional têxtil e vestuário.

Será, nesta altura, que a presença de um eventual embrionário cluster automóvel começa a despontar na estrutura industrial portuguesa e Portugal, pela primeira vez, aparece no mapa dos exportadores de automóveis. Claro, que o sucesso desta estratégia está directamente suportado com a política de então, onde era dada prioridade às exportações e à captação de novos investimentos para projectos complementares. Por parte dos construtores existia, também, uma estratégia bem definida onde era bem patente o predomínio e a centralidade do projecto Renault .Do mesmo modo, e muito importante para a valorização do empresariado nacional, existiu pelo lado dos fornecedores um comportamento positivo virado para a aprendizagem tecnológica e organizacional, bem como, uma abertura bastante favorável ao mercado exportador e um contacto permanente e dialogante com a indústria automóvel global.

A partir de 1990, com o êxito da integração na U.E. e já com a perspectiva da UEM, Portugal atrai nessa altura um grande investimento no sector automóvel, liderado por uma joint-venture Ford – Volkswagen. Este investimento, denominado AutoEuropa, com verdadeira dimensão emblemática internacional, tem, como se esperava, efeitos consideráveis na economia portuguesa. Assim, entre outras coisas, consolida o até então embrionário cluster automóvel, induzindo ao seu redor o aparecimento de uma vasta constelação de unidades empresariais de componentes, promovidas por grandes multinacionais, por empresários locais e por “joint-ventures”; promove a inovação, introduzindo em Portugal novos métodos e tecnologias, nomeadamente dando uma nova ênfase às questões ambientais e à formação profissional; desenvolve uma região deprimida, como então se encontrava a Península de Setúbal, criando novas e modernas infra estruturas e, acima de tudo, emprego. Finalmente, mas não menos importante, promove na malha empresarial ligada ao projecto, a lógica de trabalhar em rede, integrando e valorizando saberes e experiências recíprocas.

Aliás, foi a grande aposta deste projecto nas questões da I&D, que levou a que o sector de componentes para automóvel fosse o primeiro no país a experimentar, de um modo continuado, a nova lógica da economia do conhecimento. De facto, em toda a estratégia empresarial deste enorme investimento a inovação constitui o factor decisivo, por excelência, para garantir a sua competitividade. Traduzindo essa nova dinâmica de uma moderna gestão empresarial, cita-se um alto dirigente da empresa, o qual afirma numa reunião comercial que,”a partir daqui, não há mais lugar para fornecedores passivos e estáticos a tirar partido de negócios cristalizados. Terá é que haver produtores dinâmicos obrigados a conhecer profundamente o negócio automóvel e não apenas as tecnologias, obrigados a trabalhar, a nível empresarial, em rede vertical e horizontal e fazer da inovação a ferramenta quotidiana da sua afirmação competitiva.”

Em termos macro, toda a década de noventa onde se desenvolveu, por excelência o projecto da AutoEuropa, foi politicamente caracterizada por uma assumida reabertura de mercados exteriores; por uma estratégia empresarial de construtores ao assumir como prioritário o projecto em questão e colhendo dele toda a dinâmica gestionária. Pela parte dos fornecedores, foi assumido um comportamento mais tecnológico e profissional, nomeadamente, consolidando competências e responsabilidades baseadas no rigoroso cumprimento do triângulo custo/qualidade/prazo. Da mesma maneira, também foram estudadas novas soluções no desenvolvimento das capacidades de engenharia e procuradas participações valorativas em cadeias de fornecimento com empresas nacionais e estrangeiras.

Em 2002, terminou o contrato de investimento entre o Estado e a AutoEuropa. Mas devido a interesses recíprocos e à vontade política de continuar com o desenvolvimento deste projecto, foi assinado em 2003 outro acordo, deste vez envolvendo os trabalhadores, que evitando não só despedimentos, veio também viabilizar um novo investimento de 500 milhões de euros na concretização de um novo projecto automóvel.

Actualmente a importância da Auro Europa para a economia nacional é indiscutível: 7% do PIB e cerca de 11% das exportações. Dos cerca de 100 mil carros produzidos no ano passado a esmagadora maioria roda em estradas no estrangeiro. Também o impacto social da empresa é bastante significativo. Possui cerca de 3 mil trabalhadores directos, ou seja, 0,5% da mão-de-obra portuguesa que trabalha no sector industrial. No entanto, este número pode chegar às 8.700 pessoas, se forem contabilizados os trabalhadores do parque industrial e outros serviços contratados, bem como de fornecedores da zona de implantação da unidade industrial.

Também por efeito da AutoEuropa, a facturação da indústria de componentes quadruplicou nos últimos dez anos e o sector automóvel, no seu conjunto, passou a ser o maior exportador nacional com cerca de 24% do total.

Voltando ao historial evolutivo do sector da indústria de componentes de auto, podemos concluir que a integração europeia foi, sem margem para dúvidas, a “driving-force” do cluster automóvel em Portugal. Sem o mercado interno europeu, sem os fundos comunitários e sem o Euro, o sector dificilmente teria a projecção que actualmente alcançou. No entanto, também não seríamos precisos nesta análise, se não realçássemos a envolvente positiva de uma política pública, não só baseada numa economia de mercado e no empreendorismo empresarial, como incentivadora da inovação tecnológica e de parcerias tecnológicas e financeiras em consonância com as necessidades para o desenvolvimento do sector automóvel, hoje já um cluster assumido no contexto do tecido industrial português.

Sem comentários:

Enviar um comentário

AUSTERIDADE, SOLUÇÃO OU PROBLEMA?

AUSTERIDADE, SOLUÇÃO OU PROBLEMA? Terça, 05 Fevereiro 2013 17:01 É inequívoco que Portugal vive uma grave crise. Possui uma dívida soberana...