04 maio 2011

O AGRAVAMENTO DA CRISE ALIMENTAR EXIGE UM NOVO MODELO DE COOPERAÇÃO A NÍVEL GLOBAL

Novamente, o mundo encontra-se confrontado com o agravamento do flagelo da fome, tendo, agora como principal causa uma subida acentuada dos preços dos produtos alimentares. Este fenómeno não é de hoje. Desde há três décadas que as organizações internacionais recomendam que as estratégias, as políticas e os planos nacionais de desenvolvimento deviam de forma convicta, admitir como objectivo prioritário, a promoção do emprego e a satisfação das necessidades básicas da população de cada país.

No entanto, por diversas e complexas razões, os Estados pouco ou nada têm feito neste campo.

Em meados de 2010, este fenómeno aparece como um boomerang e um desafio planetário. Surgiram conflitos em 18 países, dos quais 10 em África. Então, vários milhões de indivíduos, em particular jovens, insurgiram-se contra a subida vertiginosa do preço do arroz, do milho, do trigo, do leite, do óleo de cozinha e de outros produtos alimentares de base. Recorda-se que já no período de 2006-2008, registaram-se, então, subidas de preços de 170% para o arroz, de 140% para o milho e de 130% para o trigo.

Esta situação tem vindo a gerar graves motins, por vezes, sangrentos, estimando-se várias dezenas de mortes. As populações mais desfavorecidas das zonas urbanas foram as mais atingidas. É o caso, por exemplo, no Haiti, o país mais pobre do continente americano, onde o saco de arroz de 120 libras, passou de 35 para 70 dólares numa semana, onde ¾ dos agregados familiares vivem com menos de 2 dólares por dia e onde 50 a 60% da população activa, está no desemprego.

Na origem das revoltas, estão as profundas desigualdades sociais e a dependência extrema de muitos países sub desenvolvidos, no contexto de um comércio desigual, que por sistema lhes é desfavorável, se bem que a nível mundial, se reconheçam hoje algumas melhorias.

É incontestável que a carência alimentar é a principal responsável pela malnutrição, da qual sofrem dezenas de milhões de pessoas, sobretudo crianças, principalmente no Terceiro Mundo. Neste começo do séc. XXI, onde a sociedade do conhecimento e da informação é o slogan da civilização, tal situação é chocante e contraditória. Segundo, valores da FAO, a fome atinge 923 milhões de seres humanos, sendo numerosas as famílias nos países em desenvolvimento, que tiveram que retirar os seus filhos da escola e que se privaram de cuidados de saúde, obrigadas, que são, a afectar cerca 70% dos seus rendimentos, à alimentação.

Contudo, são múltiplas e de várias origens as causas da fome. Desde o recente a crescente apetência dos Fundos Financeiros especulativos pelo mercado matérias-primas (a especulação sobre os mercados dos produtos agrícolas é hoje 2,8 vezes superior à sua média desde 1994); à livre troca de mercadorias por um lado, e à protecção aduaneira e ás subvenções por outro, constituindo obstáculos ao desenvolvimento da agricultura dos países pequenos; à mudança do comportamento alimentar nos países emergentes, particularmente a aceleração da procura na China e na Índia, onde os hábitos alimentares vêm mudando progressiva e aceleradamente; a políticas económicas erradas e desfasadas das necessidades das populações locais; á subida exponencial dos combustíveis minerais (o petróleo afecta a agricultura desde a produção e reflecte-se, principalmente, através da alta dos preços dos transportes), à produção dos “agro-combustíveis considerando-se que estes se encontram em competição nas áreas destinadas à produção agrícola, levando com isso a uma alta dos preços dos produtos alimentares. Enfim, outras causas e variáveis têm, também, um inequívoco impacto sobre a subida dos preços, tais como a seca e os conflitos armados, um pouco por todo o Planeta, mas com maior acuidade em África.

Gritos de alarme têm sido lançados pela ONU, Banco Mundial e a FAO, que sublinham que seentrou num longo período de tensão sobre os preços. Estas organizações não hesitam em apelidarem esta situação de “tsunami” económico, que poderá atingir 1,2 mil milhões de pessoas até 2025, calculando que 1% de aumento dos preços dos produtos de base afectaria pela negativa mais 16 milhões de pessoas. Outras consideram, também, que o BM e o FMI, têm uma quota de responsabilidade na crise, ao defenderem um modelo de desenvolvimento que encorajara a criação de uma economia de mercado e de rápido crescimento, sem se preocuparem com as graves implicações sociais de incidência local.

O certo, é que hoje, a situação torna-se, cada vez mais intolerável, sendo urgente encontrar soluções que deixem de envergonhar os princípios civilizacionais e a viabilidade de um mundo globalizado e menos assimétrico. Reconhece-se, porém, que a multiplicidade das causas da crise alimentar torna problemática a procura de soluções. Mas se nada for feito, não se poderá estar ao abrigo de uma sucessão de crises alimentares e de conflitos sociais, cujas consequências serão gravíssimas, sobretudo, para os países mais pobres. A consciência da gravidade da situação exige uma acção concertada à escala mundial, entre Estados e Organizações institucionais, com a propositura de acções e medidas concretas a curto, médio e longo prazo.

No equacionamento das medidas a tomar, sobretudo, a longo prazo, será necessário retirar as ilações e as consequências resultantes da subida dos preços das matérias - primas em geral e dos produtos alimentares em particular. Essas medidas, dificilmente deixaram de passar por um aumento da produção agrícola graças à distribuição de sementes e de adubos e ao maior investimento na agricultura local; pelas alterações nos hábitos alimentares reduzindo as proteínas animais; por uma menor ocupação de áreas destinadas aos “agro-combustíveis”; por um conjunto de medidas de incentivos em favor dos agricultores que permitam que os seus produtos sejam vendidos nos mercados locais; pela introdução de novas técnicas para produzir em menos tempo e em maior quantidade, aumentando as áreas e os rendimentos – graças ao aumento da produtividade – salvaguardando as florestas e os pastos reservados para a alimentação animal.

Inquestionavelmente, a crise alimentar atinge hoje situações calamitosas, não se podendo ignorar que o perigo do abrandamento da economia, da recessão e do desemprego, constituem a conjugação de três perigosos elementos que piorarão a situação das populações mais desprotegidas. São vários e de diversas procedências os avisos de alarme, lembrando que se nada for feito, a crise financeira poderá implicar, à escala mundial, a extinção de cerca de 20 milhões de empregos e um aumento de 40 milhões de trabalhadores pobres, germinando progressivas crises e conflitos sociais, de consequências políticas e bélicas imprevisíveis.

Renato Vieira Campos

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